Quando uma pessoa é uma pessoa

março 16, 2018

O título deste post chama-se tautologia, um negócio de que nunca me esqueci na época em que estudava Letras. Digamos que a tautologia é uma coisa pleonástica, redundante. No caso deste título, é tão óbvio, mas a gente acaba se esquecendo disso às vezes.

Que uma pessoa é apenas uma pessoa.

Cheguei no topo da cadeia alimentar do fã: sai para almoçar com meu ídolo. Vocês já sabem de quem estou falando, então podemos continuar minha divagação. O número de noites que sonhei com isso não está no dicionário. Eu vivi, durante muito tempo, imaginando as conversas intelectuais que eu teria, sobre como eu finalmente poderia ser ouvida, já que meu ídolo e eu temos uma centena de coisas em comum, como o amor pela língua francesa e por literatura. Porém, esta jovem aqui esqueceu-se da sabedoria de Oscar Wilde, quando este diz: 

Cuidado ao tocar seus ídolos. Você pode manchar os dedos de ouro.



Para mim, a frase do Wilde é uma espécie de tautologia bem elaborada do título que abre esse meu texto. Você mancha seus dedos de ouro porque ídolos são pessoas. Não é exatamente trágico, certo? No entanto, na hora em que eu manchei meus dedos de ouro, pareceu, sim, muito trágico. Porque eu estabeleci uma relação com meu ídolo em que essa tautologia não existia. Esse texto talvez não faça sentido nenhum, pois, na minha cabeça, tudo o que aconteceu durante aquele almoço também não se encaixa com nada. Tudo se resume a sentimentos, então perdoem a falta de coesão e coerência por aqui.

Manchar os dedos de ouro nada mais foi que conhecer outra versão do meu ídolo. Além disso, foi perceber que eu também vivi outra versão minha, aquela que não se manifestava desde o final da adolescência, aquela que come com a cara grudada no prato para não ser notada por outra pessoa. Essa versão é um pedaço de mim do qual que eu achava ter me livrado. Mas, não, ela está aqui. Meu ídolo também conheceu outra versão minha. A versão menos atrevida, a versão que se sente atropelada por um trem toda vez que ele abre a boca. Nós passamos uma hora e meia nos conhecendo de um jeito pouco comum, eu acho.

A outra versão do meu ídolo é aquela que trouxe um pouco de humanidade para a mesa do almoço. Eu não estava preparada para isso. Não queria humanidade. Como diria Blanche DuBois, "Eu não quero realismo, eu quero mágica!". Muitas vezes gostamos de um artista para sublimar a nossa vida de merda. Você entra em outra dimensão, a twilight zone do ídolo. Lá é tudo lindo, perfeito, não existe idade, não existem manchas, não existe finitude da vida. A quebra da quarta parede é uma lenda.

Aquele almoço foi repleto de golpes de marretadas que culminaram na quebra da quarta parede que existia entre nós. Eu me afoguei na poeira que saía dessa parede e, em determinado momento, já não conseguia mais respirar. Depois que parei de tossir, que minha crise de ansiedade foi embora, eu percebi que entrei em contato com o que gosto de chamar do lado Nathalia Elisa (eu teria que falar o nome do ídolo uma hora, né?), tão diferente da Nathalia Timberg Mulherão da Porra. Eu não estava espiando pela rachadura na parede. Porque essa Nathalia é uma rachadura da parede Nathalia Timberg.

No fim das contas, a minha teoria é de que ela fez questão de quebrar a parede para mim. Quem acompanha esse bloguinho sabe que eu já havia encontrado com ela, o ídolo, pelo menos três vezes. Em cada vez foi diferente. A cada hora ela me mostrava uma coisa diferente. Só que, até aquele momento, era o que eu esperava, estava dentro do roteiro. No almoço, ela simplesmente parou de seguir uma cartilha. Foi como se ela quisesse me dizer: "Esta é a Nathalia Elisa, e eu quero ver se você vai gostar dela do jeito como você gosta da outra". É um negócio que nós fazemos o tempo inteiro, já perceberam? Nós mostramos um lado, mas quando a pessoa passa a ser mais próxima, outras cartas vão sendo postas à mesa. As cartas de que você tem receio, digamos assim.

O que ficou em mim, naquele dia, é a sensação de que somos tão complexos enquanto seres humanos. É o que a vilã Carminha, de Avenida Brasil, disse uma vez:

Você precisa comer um saco de sal com a pessoa para conhecê-la.

Vou além, Carminha: nem comendo sal a gente chega a conhecer tudo de uma pessoa. Porque você mostra uma coisa agora, outra depois, e assim vai indo. Meu contato com Elisa é um negócio tão esporádico que eu já sei que irei conhecer outra versão dela na próxima vez. Nunca vou conhecê-la por inteiro, mas tive uma grande noção durante esse almoço. Me sinto honrada de muitas formas, mas principalmente por ter rompido uma barreira que ela mesma se esforça para manter. 

Ainda estou com um pouco de ouro na ponta dos meus dedos, a última das lembranças de quando a Nathalia passa pela minha vida. Vê-la no palco é como tocar em ouro. Vê-la fora dele é como quebrar uma parede, todos os segundos e minutos. 

Não faz sentido algum, mas que pessoa faz sentido?

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